Notícia Entrevista a Juan Maggiorani, Diretor Artístico da Orquestra Geração

08.11.2023
Juan Maggiorani é violinista venezuelano e Diretor Artístico da Orquestra Geração, projeto que integra desde a sua fundação. O seu percurso musical teve início na Venezuela, no Colégio Emil Friedman, onde também integrou o Conservatório Simón Bolívar e a Academia Latinoamericana de Violino. Realizou a sua formação Orquestral em Caracas no Núcleo da Rinconada do El Sistema.
Em 2004, viaja para a Europa, onde prosseguiu com os estudos superiores em música na Academia Nacional Superior de Orquestra de Lisboa, na Escola de Música Reina Sofía de Madrid e no Instituto Internacional de Música de Câmara. Em 2012, concluiu o Mestrado em Performance e Educação na Escola Superior de Música de Lisboa e, em 2016, obteve o título de especialista em violino pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco.
É membro fundador do Quarteto de Cordas de Matosinhos, quarteto residente da Câmara Municipal de Matosinhos, desde 2007, aclamado como um "caso singular de excelência no panorama musical português" (Diana Ferreira, Público, 2010).
Desde que integrou a Orquestra Geração, Juan Maggiorani tem desempenhado um papel crucial na interseção entre o trabalho pedagógico e artístico, contribuindo para o enriquecimento e a evolução contínua deste projeto.
1. De que forma é que a música pode servir de meio para a inclusão social?
A orquestra é uma comunidade que exemplifica harmonia, companheirismo, compaixão, empatia e entreajuda. Por outro lado, é uma oportunidade para utilizar a música como veículo de transformação. Eu experienciei essa transformação através do El Sistema e vivenciei-a de ambos os lados. Consegui viver o El Sistema na sua vertente social e artística, mas também consegui vivenciar a abordagem mais tradicional europeia no ensino musical.
No cerne de tudo isto, o mais bonito da música, mais do que poder tocá-la e entendê-la, é a transformação que pode ter nas crianças, que se manifesta de forma positiva em aspetos de superação e confiança, no sentimento “eu posso, eu quero, eu vou atingir”. Esta expectativa de alargar horizontes, não só na música, mas em qualquer área, é o principal objetivo da música neste tipo de projeto.
2. Enquanto Diretor Artístico, quais são os principais desafios que enfrenta no seu dia-a-dia? E as principais recompensas?
O El Sistema permite-nos ser inovadores e criativos para encontrarmos soluções para os problemas. Podemos reinventar-nos, adaptar-nos e criar oportunidades. Gosto de estar no terreno para vivenciar as realidades e dificuldades sentidas pelos alunos, mas também pelos professores.
Enquanto Diretor Artístico, penso que posso contribuir com a minha experiência enquanto “produto” do El Sistema e poder passar a mensagem de que é possível. A nível artístico, o meu objetivo principal, no qual me tenho debruçado imenso, é perceber como podemos tornar a música uma motivação para os nossos alunos, para que os façam regressar à escola, e perceber como a usamos como uma mensagem positiva. Nunca se tratou de fazer a melhor interpretação de Tchaikovsky, por exemplo. Na altura, achámos que não era possível, porque são partituras difíceis, mas a verdade é que os miúdos não têm medo. Se conseguirmos demonstrar o caminho, não há limites. Foi o que aconteceu quando tentámos fazer pela primeira vez a Marcha Eslava. Como professores temos o dever de cumprir com aquilo que prometemos aos nossos alunos, que, às vezes, têm famílias pouco estruturadas que acabam por não cumprir as pequenas promessas. Por isso, seja nota a nota, passo a passo, conseguimos ultrapassar as dificuldades juntos. Assim, qual é a mensagem que queremos passar aos nossos alunos? De que eles conseguem. Quando estão no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, na Casa da Música, ou até mesmo nas melhores salas da Europa, eles dizem “eu consigo” quando os estão a aplaudir por um reconhecimento individual e coletivo.
Por outro lado, o meu papel também passa por perceber as dificuldades dos professores, porque não existe formação para os preparar para este tipo de ensino. O que temos vindo a fazer são formações para tentar que os professores percebam que a música não é uma prioridade, mas um caminho. O fator social e musical estão lado a lado, não podem ser separados, e é aí que está a grandeza e inovação deste projeto.
Na Orquestra Geração os professores têm de fazer um pouco de tudo. Têm de dar aulas aos quatro níveis orquestrais, ser coordenadores, dirigir orquestras, que nunca foi o nosso papel, saber tocar outros instrumentos, mas também ser o irmão mais velho, o pai ou o amigo. É um desafio porque cada criança é um mundo com a sua história, que pode ser muito comovente e inspiradora, que nos faz crescer pessoalmente e profissionalmente.
Quanto estive na Direção do Sistema Europa, durante seis anos, tive a oportunidade de conhecer muitos dos programas que compartilham a mesma realidade, às vezes a mesma dificuldade, e é muito enriquecedor perceber que contribuímos para este bem comum. Por exemplo, vivenciámos isso há pouco tempo no segundo Congresso Mundial El Sistema, em Caracas.
O Congresso deu-nos a oportunidade de estabelecermos contacto com programas de todo o mundo e de aprendemos a sua realidade e as estratégias que utilizam para ultrapassar as dificuldades, o que serviu de inspiração para muitos outros programas. Tivemos também a oportunidade de visitar os núcleos e as escolas do El Sistema, que são inspiradoras, e de visitar a Amazónia. Foi muito comovente e mostrou o elevado nível de empenho, estrutura, esforço e responsabilidade do El Sistema.
Olhando nesta perspetiva global, Portugal tem de estar muito orgulhoso das conquistas que tem alcançado. Somos dos poucos países que trabalha em rede com as escolas que têm o projeto Orquestra Geração. Foi uma experiência enriquecedora para criar laços e mais projetos futuros, como a formação e intercâmbio entre alunos de diferentes programas.
3. No seu percurso quais foram os momentos que mais o marcaram?
Se eu quiser ser sincero, diria que todas as apresentações me têm marcado. Cada apresentação é um momento de orgulho. Ver os miúdos, com os olhos a brilhar, e ver esse objetivo, esse trabalho árduo que fazemos, é realmente algo que marca muito e que faz crescer e acreditar que é possível continuar a fazer mais.
A vinda do mestre José António Abreu e do maestro Gustavo Dudamel a Portugal também foi algo muito comovente porque, apesar de tudo, sempre tive muitas dúvidas ao início. Os contextos eram diferentes da minha realidade, a cultura era diferente, e acabei por entregar-me muito à comunicação e aos meus colegas para tentarmos criar algo em conjunto. O facto de termos conseguido deixa-me muito orgulhoso do trabalho que temos feito até aqui.
Outro momento marcante foi quando começámos a tocar no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. A própria orquestra, a sua energia, mudou. Podemos não tocar de forma perfeita, mas temos a confiança, a entrega e a paixão. Outro passo muito importante foi quando começámos a tocar peças originais. Tenho muitas memórias bonitas.
4. O que é para si a Orquestra Geração?
Acho que a Orquestra Geração é um hábito de vida, que faz parte de mim e de todos os alunos que estão no projeto desde pequenos e que, mesmo depois de irem para a Universidade, não se querem ir embora. Mais do que um projeto, é uma vivência e uma prova de esforço, superação, inovação e criatividade.
E o mais bonito é que realmente há um impacto. Há uma transformação. Cada um deles, independentemente de estar aqui um ano, meses ou dias, ou de já nem estar, tem uma relação de carinho com a Orquestra Geração. Isto significa que estamos a recebê-los bem e que o projeto acompanha a transformação das suas vidas.