Notícia Entrevista a Jorge Miranda, Diretor da Fundação Benfica e membro da direção da direção da Associação das Orquestras Sinfónicas Juvenis Sistema Portugal

Jorge Miranda é antropólogo e diretor da Fundação Benfica. Viveu a sua juventude na Amadora e desde aí que se considera um ativista e empreendedor social. Com uma carreira autárquica, na Câmara Municipal da Amadora, onde foi diretor do departamento de Cultura, esteve sempre envolvido na área social da cidade.
Está envolvido na fundação do projeto desde o início. Como tudo começou?
Estando a trabalhar na Câmara Municipal da Amadora estive envolvido num conjunto de projetos, sendo um deles o Projeto Geração, no Casal da Boba, que tinha várias dimensões e intervenções de vários tipos e que no fundo era uma abordagem virada ao bairro, sobretudo aos jovens de 2º e 3º geração que estavam com algumas dificuldades de integração, pelo menos não tinham acesso às mesmas oportunidades que todos os outros. E, portanto, havia ali um trabalho de intervenção para tentar ajudar cada um desses jovens a desenvolverem o seu potencial.
Um dia esperava o meu filho no Conservatório Nacional e encontrei o professor Wagner, com quem iniciei uma conversa de corredor, quando apareceram uns músicos venezuelanos que interromperam a nossa conversa para o abordar. Percebi, depois, quem eram esses músicos e o que estavam a fazer e achei interessantíssimo o projeto do El Sistema. Logo ali disse ao professor Wagner que podíamos fazer aquilo na Amadora, mas com a música ao serviço do desenvolvimento social. Não a arte pela arte, mas a arte social.
A reposta foi logo positiva e no minuto seguinte estava a ligar para a engenheira Luísa Valle, na altura diretora do programa de desenvolvimento humano da Fundação Calouste Gulbenkian, que logo também me disse que achou interessantíssimo. Desse momento seguiu-se uma reunião e foi aí que surgiu tudo.
De que forma está envolvido no projeto? Quais as suas funções?
O projeto depois desenvolveu-se, com orquestras em várias escolas, começando pela Área Metropolitana de Lisboa, onde teve um desenvolvimento muito grande. O projeto evoluiu para uma figura jurídica, tornando-se numa associação, com o Professor Wagner e a professora Helena Lima a serem a base do projeto, com toda uma equipa fantástica de músicos e professores, que mantêm o projeto ativo e cada vez mais sedimentado.
A dada altura, quando criaram a associação, convidaram-me para fazer parte e hoje faço parte da direção. O que faço não é executivo, mas as questões mais estratégicas, questões de visão, questões onde eu possa dar algum tipo de contributo, estou lá pronto. Menos do que se calhar poderia, mas não tenho hipótese de colaboração maior.
Qual é a sua opinião sobre a importância do projeto Orquestra Geração?
Existem poucas ferramentas que funcionam relativamente à educação educativa. Não há muita coisa. O futebol é uma delas, onde eu falo com conhecimento de casa. Entre o desporto e as artes, é possível encontrar uma série de possibilidades de educação não formal que são importantíssimas para conseguir que jovens que estão em situações de exclusão ou em risco consigam entroncar no mainstream da educação. Isto porque muitas vezes nós nascemos fora de formato e isso não é depreciativo, às vezes até é muito bom. Simplesmente numa sociedade industrial ou pós-industrial, como a nossa, nós temos sistemas educativos que são pensados para a média e que dão pouco espaço ao indivíduo. E é necessário que cada um encontre o seu próprio espaço e saiba navegar no sistema, digamos assim. Quando não se tem o enquadramento familiar ou condições de base ideais, às vezes é difícil fazer isso. Há formas que, no fundo, recorrem à nossa inteligência emocional e que fazem com que nós possamos mais facilmente ir para fora de pé e aceitar desafios que para outras pessoas podem parecer normais, mas que para nós podem não ser e a educação, as expressões, as artes e os desportos são importantíssimos nisso.
Portanto, se nós temos um país que está a envelhecer, mas que envelhece no topo da escala demográfica, porque se vive mais, mas também se envelhece na base, porque se nasce menos. Há, também, cada vez mais a proporção dos que nascem em exclusão porque, tipicamente, as pessoas que têm menos recursos e menos condições são aquelas que acabam por ter mais filhos. Se nós deixarmos que as nossas políticas públicas tenham o sentido de criar um país competitivo, como a nova geração tecnológica, por exemplo, se todo o nosso investimento for para o futuro e, depois, o nosso investimento humano for deixar que os nossos jovens possam estar excluídos do sistema educativo, então nós estamos a criar fábricas de otimíssima geração de conhecimento, mas estamos a criar um capital humano que não vai ser diretor dessa fábrica, não vão os engenheiros dessa fábrica, mas vão ser os porteiros, as pessoas que limpam e tudo isso é muito digno, mas também deviam poder ser os diretores. Estes projetos, como o da Orquestra Geração, têm essa capacidade, é dos poucos diamantes que nós temos, e as provas já estão dadas.
Mas isto não é arte pela arte, a música não faz um milagre por si só. Há mecanismos de controlo social que são importantíssimos nos jovens e no modelo de comportamento dos jovens. Na adolescência esse mecanismo é a pressão dos pares. A opinião dos que rodeiam é muito forte para o adolescente e pode levar, inclusivamente, um jovem a fazer o contrário daquilo que pensa para não ficar ostracizado do seu grupo. Isso é fortíssimo em termos de modelação de comportamento do adolescente. A música pode ser utilizada para diluir e criar modelos de afirmação positiva nesse jogo de pressão dos pares. É possível, sem ter de romper com hábitos e relações, com modelos comportamentais, integrar a música. E a música vai nos transformando, sobretudo quem trabalha e toca numa orquestra, que é um exercício dificílimo de coordenação, articulação, de interdependência e muito mais, que vai transformando lentamente os jovens sem que eles tenham de entrar em conflito ou rutura consigo próprios ou com os seus grupos. É daí a beleza do processo.
Como gostava de ver a Orquestra Geração no futuro?
Eu gostava que não houvesse a necessidade de todos os anos estarmos a ver como é que vai ser no próximo ano. Às vezes nós temos muito a ideia que temos de estar sempre a inovar. A Orquestra Geração é das coisas mais inovadoras que se fez em Portugal nas últimas décadas, mas às vezes parece que não chega. É quase como se inventássemos a roda e ao fim de alguns anos é preciso encontrar outra coisa porque já não é suficientemente atrativo. Mas não, a roda veio para ficar. Esta está cá há 11 mil anos. Portanto, nós não podemos ter esse tipo de dependência de estar sempre a demonstrar a importância e o interesse de coisas que já provaram o seu valor. Gostaria ainda muito que as nossas políticas públicas, nomeadamente as nossas políticas educativas e de integração social que, neste caso, andam a par e se deviam conseguir cruzar, integrassem este tipo de soluções. Não falo apenas da Orquestra Geração, mas este tipo de soluções de educação não formal porque isso é um investimento importantíssimo público que não existe e faz falta para garantir que estes jovens que têm menos oportunidades apanhem o único elevador social que nós temos em democracia, e que foi o 25 de abril nos trouxe, que é a educação. Porém, este elevador social não atua sozinho, nem tem um botão para se carregar e toda a gente o apanha. Quem vive em exclusão precisa de um empurrão para conseguir entrar no caminho de igualdade de oportunidades. Portanto, o que eu gostava mesmo de ver que as políticas públicas integrassem isto à séria e não houvesse sempre um ponto de interrogação relativamente ao ano seguinte.