Notícia Entrevista a Drª Isabel Mota, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian

A fundação da Orquestra Geração não seria possível sem o vosso apoio desde logo em 2007. Porque decidiram apoiar este projeto? Como é que tudo começou?
Em 2006 a Fundação Calouste Gulbenkian, conjuntamente com a Câmara Municipal da Amadora e o (então) ACIDI – Alto-Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, decidiram lançar a iniciativa conjunta “Projeto Geração” no Casal da Boba, bairro de realojamento social com uma população predominantemente jovem e exposta a riscos vários de exclusão social.
O objetivo do Projeto Geração passava por contribuir para prevenir trajetórias de exclusão de jovens, designadamente ao nível do absentismo, do abandono escolar ou dos problemas com a justiça, proporcionando-lhes percursos de educação, formação e emprego que possibilitassem melhores oportunidades de desenvolvimento dos seus projetos de vida.
Entre 2006 e 2010 a parceria, à qual mais tarde se veio a juntar a Iniciativa Comunitária EQUAL, viabilizou inúmeros projetos de intervenção local, entre eles um projeto piloto que muito nos sensibilizou denominado “Orquestras Geração”, liderado pela Associação dos Amigos do Conservatório Nacional e inspirado no modelo do Maestro António Abreu “El Sistema” da Venezuela. Aproveito para sublinhar que na altura um dos fatores determinantes para a aprovação do nosso apoio foi o facto do projeto decorrer dentro do espaço escola (neste caso, no Agrupamento Escolar Miguel Torga), contribuindo dessa forma para posicionar a escola como um local onde novas e apelativas iniciativas são desenvolvidas para os jovens.
De que forma a Fundação Calouste Gulbenkian apoia a Orquestra Geração?
A parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e a Orquestra Geração é bem exemplificativa do papel que as Fundações podem desempenhar nos processos de inovação social: identificar ideias promissoras; arriscar apoiá-las em termos financeiros e de capacitação; desenvolver modelos de monitorização e avaliação; dar tempo para se validarem procedimentos e dinâmicas e, ainda, documentar as aprendizagens e ensinamentos de modo a melhor viabilizar a sua replicação noutras geografias e populações.
Ao longo do tempo foram várias as dimensões dos apoios da Fundação às Orquestras Geração, indo do convencional subsídio que, através do pagamento dos professores e auxiliares, viabiliza o ensino da música, passando por aquisição de instrumentos ou criação de condições para reter talentos e focá-los na conclusão dos seus estudos.
Mas sinto que é fundamental sublinhar aqui também o papel das parcerias, no terreno, mas também entre entidades financiadoras: ao longo destes já 14 anos houve outros financiadores a que se juntaram à Fundação Gulbenkian e a possibilitaram que o projeto atingisse os patamares de excelência onde hoje se encontra. Desde logo, o Ministério da Educação, os Municípios, a Iniciativa EQUAL, mas também outras Fundações como a EDP, a Portugal-Telecom e a Share. Tais parcerias viabilizaram, entre outros, a aquisição de inúmeros instrumentos, duas viaturas a realização de estudos de sustentabilidade, de avaliação externa e mesmo um Manual de Suporte à Monitorização do Desempenho e Resultados do projeto.
Quais foram para si os melhores momentos desta parceria?
Tenho presentes muitos mais, mas irei selecionar cinco momentos que, pessoalmente, me marcaram profundamente:
- A primeira atuação no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian e tudo o que estas apresentações regulares e anuais representam para nós no que toca à democratização do acesso aos espaços e palcos da Fundação. De ano para ano as Orquestras Geração continuam a surpreender-nos com apresentações extraordinárias, musical e esteticamente irrepreensíveis e dignas dos melhores palcos nacionais e internacionais.
- Depois as regulares visitas de dois amigos da Fundação: os Maestros António Abreu e Gustavo Dudamel, destacando a presença dos mesmos nas escolas na Amadora, mas também o ensaio conjunto do último com a Orquestra Geração na Fundação em 2018, momento profundamente transformador dos jovens, seus professores e, acredito, do próprio Dudamel.
- De seguida os diversos ensaios e atuações em conjunto entre a Orquestra Gulbenkian e a Orquestra Geração em diferentes geografias, destacando o concerto de abertura das festas de Lisboa, no Terreiro do Paço, em junho de 2018.
- Por último, fico muito feliz em saber que com regularidade encontramos jovens com formação inicial nas Orquestras Geração a fazerem reforços na Orquestra Gulbenkian ou como membros de pleno mérito da Orquestra Estágio Gulbenkian.
Como gostava de ver a Orquestra Geração no futuro?
A Orquestra Geração é um projeto pioneiro em Portugal que há 14 anos coloca a cultura e a música ao serviço da formação de crianças em idade escolar, provindas de contextos sociais mais fragilizados, com o objetivo de combater o insucesso e o abandono escolar.
Porque este não é um projeto de educação musical ou de deteção de talentos, é antes de mais um projeto de transformação social que utiliza a prática orquestral como forma de desenvolvimento de competências de trabalho em equipa, de fortalecimento da autoestima, de respeito pelos outros e de mobilização e envolvimento das famílias, gostaria de ver o projeto finalmente ganhar maior escala, podendo ir além dos territórios onde hoje está presente, e transformar mais crianças, jovens e seus familiares noutros contextos igualmente desafiantes, para além de Lisboa e Coimbra.
Qual é a sua opinião da importância do projeto Orquestra Geração no panorama dos projetos de intervenção social?
Ao longo destes mais de 14 anos a Fundação Calouste Gulbenkian acompanhou de perto o Projeto das Orquestras Geração e foi testemunhado como o mesmo tem efetivamente “tocado vidas” em várias dimensões e que vão muito além do primeiro propósito educacional, alargando-se à esfera relacional, comunitária, estética e inclusivamente de integração profissional.
A Fundação Calouste Gulbenkian reconhece hoje que as Orquestras Geração, nas mais diversas geografias onde têm intervenção, vieram efetivamente contribuir para comunidades mais coesas e integradas, demonstrando na prática o extraordinário poder que as práticas artísticas acrescentam aos processos de inclusão social.
A nível interno, é mais do que justo sublinhar e reconhecer o papel determinante que as Orquestras Geração tiveram na validação e afirmação de uma agenda específica, na Fundação, em torno da promoção do papel cívico das artes na qual se incluem, entre outras, as iniciativas PARTIS que, desde 2013, tem apoiado diferentes projetos de inclusão social através das práticas artísticas