Notícia Entrevista a António Wagner Diniz, Presidente cessante da Orquestra Geração

António Wagner Diniz, Presidente cessante da Orquestra Geração, em entrevista, faz um balanço de 15 anos de mandato, com os principais marcos alcançados e desejos futuros para o projeto. 

 

Foram 15 anos à frente da Orquestra Geração. Qual é o balanço que faz do projeto e do seu impacto no país e nas comunidades?

Quando lançámos o projeto tínhamos consciência de que  havia (e, todavia, há) toda uma  população de jovens a viver nas periferias das grandes cidades, e por vezes em bairros de depressão económica dentro das grandes urbes, que necessitavam de apoio que lhes proporcionasse o  aumento da auto-estima, o sentido de pertença a um grupo e à habituação à resolução dos problemas em conjunto para que mais tarde tivessem a oportunidade de aumentar o número de escolhas de vida, que de início lhes estariam vedadas.

Assim, surgiu a ideia de aplicar em Portugal a metodologia do El Sistema, fundado pelo Dr.º José António Abreu, em que a prática de  orquestra (música de conjunto) desempenha  um verdadeiro instrumento de intervenção social. Tivemos  a sorte de início contarmos com o apoio do então Conservatório Nacional e com a ajuda do Dr.º Jorge Miranda, na altura responsável pelo departamento de educação da Câmara Municipal da Amadora e da Fundação Gulbenkian, que foi um dos apoiantes desde o início do projeto. Aqui, um agradecimento à Engª Luísa Vale. Podemos dizer que nestes 15 anos (a entrar no 16º) ajudámos muitas crianças e jovens a encontrar com sucesso o seu percurso  de vida. Outro aspeto que provámos foi a importância do ensino da música no currículo das nossas escolas. Não é por acaso que no último ranking os primeiros lugares são ocupados pelos Conservatórios onde, a par da formação em música,  se dão as disciplinas tradicionais. Esperemos que o Ministério da Educação tire, finalmente, as suas elações.

 

Para si, quais foram os melhores momentos? E quais foram os principais marcos alcançados?

Para mim os melhores momentos são sempre os do início. Aquele espírito de aventura e entrega que muitas vezes com o desenrolar dos anos e com o aumento do projeto (somos já cerca de 2000 crianças e jovens e 80 professores) tem tendência a se perder. É por isto que a orquestra tem necessidade de inovar constantemente, quer no estilo de músicas praticadas quer numa aposta na formação dos professores, não só em metodologias de ensino musical, mas também em técnicas de animação e de resolução de problemas vários de disciplina.

Outro aspeto importante foi o respeito que adquirimos junto dos outros projetos europeus,  quer participando periodicamente em projetos com os nossos congéneres da Europa e EUA, mas também acolhendo muitos dos seus professores em projetos de formação por nós organizados, alguns deles pioneiros dentro do Sistema Europe, como a Pop Up Orquestra, que decorreu este ano.

Tenho um grande orgulho pela qualidade das nossas orquestras (aqui uma referência especial à Orquestra Juvenil  Geração). Uma decisão corajosa que tomámos, logo que ouvimos de muitas pessoas do nosso "establishment" falarem do mérito do projeto, mas que infelizmente a afinação dos miúdos deixava  muito a desejar, foi a de baixar a exigência técnica das peças  e dar uma especial  atenção à afinação. Infelizmente, sabia bem, como se explica bem na ária "La Calumnia" do  barbeiro de Sevilha,  que comentários deste tipo poriam em causa a continuação do projeto e muito especialmente do seu financiamento.

Finalmente, todos os prémios que nos foram atribuídos (Ministério da Educação, União Europeia, Assembleia da República, várias autarquias e também muitas empresas) que espero constituam uma forma de escudo de proteção ao desenvolvimento e futuro do projeto.

 

Qual é o seu maior desejo para o futuro do projeto?

É muito simples: assegurar a rotatividade dos alunos nos agrupamentos instrumentais, que nunca se esqueça que é um projeto de intervenção social e não um Conservatório. Que possa ser igualmente um modelo para os Países da CPLP, que têm uma enorme percentagem de jovens, a maior parte das vezes desempregados, sentindo a necessidade de contribuírem também para o seu financiamento e desenvolvimento.

 

Quais são os seus próximos passos? Irá estar ligado de alguma forma ao projeto?

É minha política, logo que deixo um projeto (assim aconteceu quando deixei de ser diretor do Conservatório  Nacional), cortar os laços que me ligam ao mesmo pois acho incomodativo estar a  meter-me nos assuntos que agora são dirigidos por outra equipa. Orgulho-me, no entanto, de ter tido a capacidade de deixar o projeto em muito boas mãos. Para um projeto não morrer é necessário não perder de vista o seu objetivo e inovar, inovar, inovar. Manter a rotina é uma morte anunciada.

Gostaria de ainda fazer duas coisas antes de "partir": ser programador de um festival (com um  bom orçamento que permitiria não passar muito tempo a angariar fundos) e organizar e montar  um projeto ligado à formação de jovens cantores profissionais para a sua "exportação". Mas, como se costuma dizer, o futuro a Deus pertence.